Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar
Qual será a forma da minha morte?
Existem tantas… Um acidente de carro.
O coração que se recusa abater no próximo minuto,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido…
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
(Canto para minha morte – Raul Seixas)
Numa Barcelona sem as cores de Gaudí ou Miró, Uxbal (Javier Bardem) é um homem comum, de vida medíocre, que apenas vive cada dia sem saber o que esperar do amanhã. Agenciador de mão-de-obra ilegal, chineses e africanos, vive ele mesmo meio à margem da sociedade, como um estrangeiro em sua própria terra. E, não tendo seus dias vida, segue então rodeado pela morte. A morte que ronda constante os imigrantes, a morte que o cerca devido à capacidade mediúnica de ter contato com alguns espíritos, a ex-mulher bipolar que vive e morre nas intermitências da doença, o pai que não conheceu, e a sua própria morte, dignosticada sob a forma de um câncer já espalhado pela região abdominal.
O inglês Christopher Hitchens é um dos maiores colunistas dos Estados Unidos. Por causa do seu ateísmo e sua crítica às religiões foi "carinhosamente" chamado de Cavaleiro do Apocalipse, junto com Sam Harris, Daniel Denett e o genial Richard Dawkins. A, digamos, homenagem foi feita por grupos de religiosos criacionistas americanos. Ano passado, Hitchens foi dignosticado com câncer. Iniciado no esôfago, espalhou-se por outros órgãos. Este mesmo tipo de câncer matou seu pai. Hitchens, então, escreveu um excelente artigo na Vanity Fair intitulado "Notícias da Tumorlândia", onde relata sua reação ao perceber a morte tão perto:
"Independentemente do tipo de "corrida" que a vida seja, tornei-me abruptamente finalista. Tinha planos reais para a minha próxima década. Será que não viverei para ver meus filhos casados?".
Uxbal é um europeu qualquer, sem grandes planos, com uma vida melancólica e uma mediunidade que lhe traz mais angústia que conforto. Hitchens é um europeu bem-sucedido, autor de livros que se tornaram best-sellers, colunista de importantes revistas ao redor do mundo, palestrante requisitado, e ateu militante. Apesar das vidas opostas e de perceberem a morte de maneiras distintas, ambos foram confrontados com com a mesma sensação de impotência em relação ao fim.
E ambos se fizeram exatamente a mesma pergunta. Em conversa com uma amiga, Uxbal pergunta por que aquilo estava acontecendo com ele.
No fim do seu artigo, Hitchens aborda a mesma questão e desconstrói essa visão inconformista expondo, de maneira genial, a insignificância da vida humana:
"Para a pergunta idiota "Por que eu?" o cosmos indiferentemente responde: "Por que não?"".