O filme “O Jogo da Imitação” conta a história do gênio matemático Alan Turing, o cara que ajudou muito a criar o que hoje nós chamamos de mundo.
A história da humanidade é assombrada por gênios que periodicamente reinventam a nossa vidinha ordinária. Enquanto eu e você, caro leitor, estamos às voltas com nossas pequenas grandes preocupações, tem uns caras por aí pensando o que nos parece impensável. Alan Turing nasceu em Londres, em 1912, e hoje possui aquela biografia clássica dos super gênios. Criança meio esquisita, antissocial, não se enturmava com a galerinha e não se interessava pelos estudos. Tanto que demorou a aprender a ler. Até o dia em que achou que ler devia ser legal e aprendeu sozinho. Depois brincou de química orgânica, e chegou na matemática. Pronto, aí tudo mudou! Obviamente, desconsiderava as aulas e seguiu estudando por conta própria. Se embrenhou nas questões mais complexas de lógica matemática. Coisas não acessíveis a nós, insignificantes mortais. Esse empenho o levou a conceber uma máquina teórica que ficou conhecida como “máquina de Turing” e a escrever o artigo que o consagrou, o revolucionário “On Computable Numbers, with an Application to the Entscheidungsproblem”. Na época demorou a ser considerado revolucionário porque simplesmente não se achava alguém capaz de entender aquilo. Até outro gênio, von Neumann, ver ali algo muito maior. Aquele artigo fundou uma nova ciência, a computação. E a teórica máquina de Turing gerou o que hoje chamamos de computador. Só isso. Tá, mas e Hitler?
Na Segunda Guerra os nazistas tinham uma máquina simples e elegante de criptografia chamada Enigma. Grosso modo, era uma máquina de escrever que embaralhava as letras de quem escrevia, e desembaralhava pra quem ia ler. Tinha uma chave de configuração que era alterada todo dia, e isso gerava bilhões de bilhões de combinações possíveis. Aí os nazistas nem se preocupavam em ter mensagens interceptadas. Os ingleses pegavam só umas mensagens doidas que misturavam língua do P com de trás pra frente e não faziam o menor sentido. Decidiu-se então convocar os maiores matemáticos-lógicos-criptografistas para desvendar a Enigma. Turing viu na empreitada uma oportunidade de colocar em prática sua máquina teórica. Depois de muito, muito trabalho, bastante mesmo, a máquina de Turing quebrou o segredo que os nazistas, e até mesmo os ingleses, juravam ser inviolável. Com a criptografia quebrada, os aliados ficavam lá vendo os whatsapps entre Hitler e Himmler numa boa. Daí pra planejar o Dia D foi moleza.
Mas a obsessão de Turing por máquinas escondia não a vontade de reduzir o mundo a um sistema lógico e mecânico. De certa forma, Turing queria com as máquinas desvendar o humano. Certa vez disse:
"Não estou interessado em desenvolver um cérebro poderoso. Busco apenas um cérebro mundano."
Ainda no colégio se apaixonou por um amigo. A descoberta da homossexualidade numa época em que ser homossexual na Inglaterra era crime impactou fortemente o jovem Turing. O amigo faleceu, e aquele amor não concretizado o acompanhou para sempre. A maior parte da sua vida foi em relações furtivas com jovens alunos quando era professor, o que na época era algo de submundo. Sua pouca habilidade social e a obrigação de esconder seus sentimentos o fez ser uma personalidade tão inacessível quanto a Enigma. Turing criptografou sua essência, e parecia oferecer apenas a mensagem decodificada, sem nunca permitir que a chave decodificadora fosse revelada. Numa situação que hoje nos parece surreal, foi descoberto gay e condenado por isso. Teve que se submeter à castração química, uma espécie de cura gay. Ficou impotente, sofreu terríveis alterações hormonais, e entrou num processo depressivo irreversível. Quando criança viu encantado o clássico Branca de Neve, e comentava da maçã envenenada. Pois foi assim. O gênio que inventou as super máquinas e ajudou o mundo a vencer a tirania nazista não resistiu à impossibilidade de exercer livremente sua condição humana. Com apenas 41 anos comeu uma maçã com cianureto antes de dormir, e nunca mais acordou. Uma morte lúdica e carregada de simbolismos psicológicos e sentimentais para o homem que parecia ser uma máquina de cálculos e lógica.