"Comparai o estado do homem civilizado com o do homem selvagem, e investigai como além da sua maldade, suas necessidades e suas misérias, o primeiro abriu novas portas à miséria e à morte". Esse é um trecho do livro "Discurso Sobre a Origem da Desigualdade", de Jean-Jacques Rousseau. Para ele, o homem é, por natureza, um ser puro e imaculado, desprovido de todo mal, amém. Aí vem essa tal de sociedade para oprimir e corromper o coitado que, então, se transforma nesse monstro que é o homem civilizado. Ou seja, pra Rousseuau os bárbaros são os civilizados e os civilizados são os bárbaros. E, sendo assim, um criminoso deixa de ser um canalha que optou pela maldade e passa a ser uma vítima desse mundo cruel… Voltaire, sempre genial, comentou o delírio de Rousseau com a acidez de sempre: "Ninguém poderia pintar um quadro com cores mais fortes dos horrores da sociedade humana, para os quais nossa ignorância e debilidade tem tanta esperança de consolo. Ninguém jamais empregou tanta vivacidade em nos tornar novamente animais: pode-se querer andar com quatro patas, quando lemos vossa obra".
O filme "O Planeta dos Macacos: A Origem" conta, como nos diz o título, o início do domínio do mundo pelos macacos. Basicamente, o filme mostra como os macacos eram oprimidos e torturados por humanos cruéis que, num personagem caricato, dizem só se interessar por lucros. Estimulados por uma droga que os confere mais inteligência, os macacos logo percebem que "a história de toda a sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classes". Pois é, nem sempre capacidade de raiocínio dá em boa coisa, mas sigamos. Embebido pelo sentimento de revolta e libertação, César, o chimpanzé principal, organiza a revolução. E, como todo primata cheio desses anseios, impõ-se como líder do movimento endurecendo, mas sem perder a ternura jamais. Convoca um gorila gigante pra dar uma surra no seu principal opositor, e tá tudo dominado. Nos momentos de confronto entre símios e humanos, fica clara a intenção do diretor em nos fazer ter carinho pelo bárbaro oprimido. Enquanto os macacos são assassinados num tom martirizante, os humanos sempre têm mortes que paracem uma pena pelas suas maldades.
No Rio, e em outros lugares, muitos pensam como Rousseau. O poder paralelo do tráfico que domina os morros seria só uma consequência dessa sociedade perversa que transforma anjos em demônios. O cara que carrega um fuzil, comanda arrastões, e vende crack sem piedade ou remorso deixa de ser o vilão, e passa a ser vítima da civilização. Sendo assim, não cabe penalizá-lo. Com muito alarde divulgou-se a nova maravilha que era o Complexo do Alemão. Com antecedência o governo disse: "pessoal, se preparem que estamos chegando". Orgulhoso, contou que não houve confronto, e teorizou que prender não era o objetivo, o que queriam era conquistar território. Afinal, se é a civilização que cria os bandidos, melhor deixá-los num território remoto, longe de nós, onde possam exercer sua natureza boa, né? Pois é… enquanto o governo brincava de WAR, a barbárie se organizava no mundo real. E, quando tudo parecia tranquilo, mostrou que continuava tão viva quanto sempre.
Pena que Rousseau não teve a oportunidade de estudar a vida dos macacos. Os chimpanzés, por exemplo, para se impor frente a seus adversários cometem atos de uma atrocidade chocante. Uma das cenas de documentário mais impressionantes que vi é de um grupo de machos que atacam uma fêmea e roubam seu recém-nascido. Após jogar o macaquinho de um para o outro, decidem matá-lo. O macho dominante morde e esmaga o crânio do pequenino, e depois todos o comem. Nós só somos humanos porque civilizados. A sociedade não é o meio que corrompe nossa maldade e, sim, o freio moral e legal que nos impede de voltar à barbárie.
Prefiro os humanos de Voltaire aos macacos de Rousseau…