"No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo".
Assim começa o livro "Crônica de uma morte anunciada", de Gabriel Garcia Márquez. Logo de cara, já sabemos que Santiago Nasar vai morrer. Resta saber como isso vai acontecer. E, aí, temos a história. De início, as coisas vão acontecendo sem fazer tanto sentido, nos perdemos pela falta de familiaridade com os lugares, as pessoas. Mas, aos poucos acontecem os encontros, os desencontros, as coisas vão se encaixando, fazendo sentido, até chegarmos à cena final da morte.
Em "Se beber, não case 2", temos algo parecido. Desde sempre já sabemos o início e o fim, só nos resta entender como os extremos se conectam. Mas, à diferença do primeiro filme, a graça não está na surpresa, mas na repetição. A sequência de fatos é a mesma: acordar sem lembrar de nada, achar um animal, uma pessoa desconhecida, perder um amigo, e sair juntando os cacos pra tentar montar o quebra-cabeças.
No primeiro filme, a comédia está na surpresa, na sucessão de fatos inusitados, mais do que em diálogos ou ações isoladas. Neste segundo filme, como já conhecemos o enredo, restou ao realizadores a ênfase no humor pontual. E aí se destacam a presença de um macaco politicamente incorreto e de situações de cunho sexual que, com certeza, vão gerar polêmica. A dose pode ter sido exagerada, mas a fórmula é clássica, tanto que foi analisada por dois grandes pensadores: Bergson e Freud.
Henri Bergson, no seu "O Riso", teoriza a fundo o Risível, como é chamado o humor na filosofia estética da arte. Bergson diz que não existe Risível fora do campo humano: "Não há cômico fora daquilo que é propriamente humano. Uma paisagem poderá ser bela ou feia: não será, nunca, risível. Nós poderemos rir de um animal, mas porque se terá surpreendido nele uma atitude de homem ou uma expressão humana". Acho que, pelo texto, Bergson acharia graça de um macaquinho com uma jaqueta jeans dos Rolling Stones bebendo, fumando e cheirando…
Já Freud… bem, aquela coisa de sempre. Na juvetude seus textos eram de uma profusão hormonal… depois de velho ele até reviu alguns. Deve ter sido o efeito da andropausa. Mas, voltemos ao assunto. Quando jovem, Freud dedicou-se um pouco ao Risível. E, qual foi sua tese? Lá vai: "nós rimos quando um complexo sexual reprimido se exprime simbolicamente num momento de distração ou num termo equívoco, e quando nos apercebemos bruscamente da significação sexual profunda sobre a forma simbólica". Resumindo: piadas de duplo sentido, ou de um sentido só mesmo. Freud, certamente, gostaria da cena em que o macaco simula fazer…. Bem, deixa pra lá. Quem vir o filme saberá.
Assim como o livro de Garcia Márquez, o filme se valida pelo miolo. Afinal, todos já sabemos o início e o fim. Resta, apenas, degustar o miolo.
"Depois, [Santiago] entrou na casa pela porta dos fundos, que estava aberta desde as seis horas, e desabou de bruços na cozinha". Fim.